A cena é digna de um filme de ficção científica: um ambiente precário com inúmeros celulares antigos lado a lado, todos conectados para se manterem com bateria. Na frente deles, pessoas repetem a mesma tarefa incessantemente, tocando na tela para gerar curtidas ou comentários.
Esses locais existem de verdade e são conhecidos como fazendas de cliques. Essa prática visa inflar números nas redes sociais, burlando as regras das plataformas e apresentando diversos riscos. Mesmo assim, a promessa de números altos ainda atrai muitos interessados.
O que são as click farms?
Fazendas de likes, também conhecidas como fazendas de cliques ou click farms, são serviços que aumentam números em sites ou redes sociais através de tráfego falso, disfarçado como se fossem usuários reais.
Elas são usadas para curtir publicações, escrever resenhas positivas, fazer comentários elogiosos ou críticos em postagens, clicar em anúncios e se cadastrar em plataformas. Influenciadores digitais, contas corporativas e até políticos recorrem a essas táticas para aumentar seguidores, comentários, curtidas ou compartilhamentos — o famoso engajamento.
“Na maior parte das plataformas, é essa métrica que determina o sucesso de um conteúdo. Os algoritmos entendem que, quanto mais engajamento uma publicação tiver, mais relevante ela é. E, sendo assim, a distribui para mais pessoas”, explica Gabriela Pederneiras, coordenadora de Social Media na NZN.
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Segundo Pederneiras, isso é especialmente relevante em estratégias que visam vendas. Afinal, o engajamento é a “prova” de que parte do público foi impactada pela publicação e que ela fez sentido para ele de alguma forma. Portanto, o usuário começa a construir um relacionamento com a marca, que pode culminar em uma venda.
Como funcionam as fazendas de cliques?
Essas “fazendas” podem operar de duas maneiras. Elas podem ser bots, robôs programados para repetir uma tarefa digitalmente usando contas falsas ou roubadas.
Porém, a imagem mais comum — e quase surreal — envolve várias pessoas em computadores ou smartphones, todos conectados a contas diferentes em uma rede social. Esses trabalhadores normalmente enfrentam péssimas condições de trabalho e são mal remunerados, mas repetem a mesma tarefa sem parar.
Além desses exemplos, alguns serviços são remotos, com funcionários em suas próprias casas e com operações que variam em estrutura. A contratação é por “pacote”, de acordo com a quantidade e a complexidade da ação.
Contudo, o resultado pode ser tão artificial quanto as contas. “As click farms dão um engajamento falso para os criadores. Por mais que eles atinjam números mais rápidos, esses resultados são vazios e não convertem em futuras vendas nem geram comunidades”, reforça Gabriela.
Em 2023, o fotógrafo Jack Latham publicou um livro chamado “Beggar’s Honey” (O Mel do Pobre, em tradução literal) com registros impressionantes de fazendas de likes. Ele encontrou várias em locais como Tailândia, Vietnã e Hong Kong, com diferentes configurações de aparelhos.
Apesar da estrutura precária, o conhecimento desses profissionais sobre redes sociais costuma ser alto. Responsáveis por fazendas sofisticadas sabem que é preciso cuidado com ações artificiais, pois o comportamento massivo levanta suspeitas das plataformas.
Por isso, a tarefa não é automatizada para um robô e envolve múltiplos aparelhos e pessoas. Há quem use softwares para mascarar o IP ou até os endereços MAC, além de trocar contas com frequência para evitar o rastreamento.
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Prejuízo para todos os lados
O uso de fazendas de likes traz riscos e prejuízos. Segundo Fabio Assolini, diretor da Equipe Global de Pesquisa e Análise da Kaspersky para a América Latina, quem utiliza esse recurso pode ser penalizado com limites no alcance ou até o banimento da conta.
Além disso, o perfil do influenciador pode ser usado para disseminar links para sites maliciosos ou ser invadido pelos operadores dessas fazendas. “A principal dica neste caso é não utilizar o recurso, visto que pode causar danos desde reputacionais até de vazamento de dados”, aconselha.
A prática também levanta questões éticas, já que esse engajamento artificial pode inflar publicações fraudulentas, mentirosas ou enganosas. Fazendas de likes podem ser usadas em campanhas de difamação, política e spam.
O que dizem as plataformas
Em nota enviada ao TecMundo, a Meta, dona do Facebook, WhatsApp, Instagram e Threads, salientou que é importante que as interações “sejam genuínas”. A empresa diz trabalhar para “manter a comunidade livre de comportamentos inautênticos” e reforça que esses serviços violam os Termos de Uso.
“Investimos recursos significativos para combater esses tipos de abuso em nossas plataformas e, quando detectados, consideramos todas as opções aplicáveis, incluindo a suspensão e a remoção das contas”, disse um porta-voz da companhia. Já o TikTok encaminhou links para as diretrizes da comunidade e um relatório de aplicação dessas regras em 2023. “Permanecemos firmes em nosso compromisso de identificar e remover prontamente todas as contas, conteúdos ou atividades que buscam impulsionar artificialmente a popularidade na nossa plataforma”, diz trecho do documento.
Apesar de existirem caminhos que parecem mais fáceis, eles não trazem o mesmo resultado do trabalho duro de criação de conteúdo nessas plataformas.
“Não existe fórmula mágica para crescer nas redes sociais. O mais importante é identificar seu público, estipular um nicho de conteúdo e fazer publicações de qualidade e relevantes levando esses dois fatores em consideração”, finaliza Gabriela Pederneiras, especialista em redes sociais.
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